PIB do 3º trimestre: veja atividades que retomaram nível pré-pandemia e as que ainda acumulam perdas.
Com a alta de 7,7% do (Produto Interno Bruto) do Brasil no 3º trimestre, após o tombo recorde do 2º trimestre, a economia brasileira conseguiu reverter parte das perdas provocadas pelo choque inicial da pandemia de coronavírus. A recuperação, no entanto, ainda se mostra desigual e incompleta, com o setor de serviços se mantendo como o mais prejudicado e com reação mais lenta.
Entre os destaques de recuperação estão a indústria e o comércio, com ambos eliminando as perdas do período mais agudo da pandemia. Na outra ponta, o setor de serviços continuou enfrentando dificuldades para voltar à normalidade, sobretudo as atividades que exigem contato direto ou se baseiam na mobilidade das pessoas, como turismo, lazer e alimentação fora de casa.
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias e os investimentos voltaram a crescer no 3º trimestre, mas a reação foi insuficiente para um retorno ao padrão pré-Covid-19.
Se por um lado um lado o Auxílio Emergencial foi crucial para 'segurar' a economia e apoiar trabalhadores que se viram de uma hora para a outra sem renda, o desemprego em alta, a incerteza sobre o futuro e a disparada dos preços dos alimentos forçaram o brasileiro a consumir menos e também inibiram novos investimentos por parte das empresas.
Serviços seguem na lanterna
O setor de serviços, que possui um peso de mais de 70% no PIB brasileiro e mais emprega, segue como o mais afetado pela pandemia, sobretudo os segmentos voltados às famílias, que demandam maior mobilidade e que envolvem naturalmente aglomeração como os de lazer e recreação.
Pesquisa mensal do IBGE que monitora apenas parte das atividades mostrou que o volume de serviços no país encerrou setembro num patamar ainda 8% abaixo do rodava em fevereiro, com diversos ramos ainda não funcionando em plena capacidade, em razão de restrições sanitárias ou mesmo de mudanças no padrão de consumo e de prioridades das famílias.
Entre as atividades que seguem prejudicadas e com a demanda bem abaixo do padrão pré-pandemia estão hotéis, transporte aéreo, bares e restaurantes, cinemas, educação privada e atividades associadas ao lazer.
“As famílias ainda não estão consumindo esses serviços da mesma forma que consumiam antes da crise, e acredito que em 2021 também não vão estar. Esses serviços estão se reinventando para conseguir sobreviver, mas com capacidade limitada, distanciamento e uma redução da produtividade", destaca Luana Miranda, economista do Ibre/FGV.
Em setembro, os serviços prestados às famílias ainda estavam 36% abaixo do patamar de fevereiro. As exceções de avanço no ano, segundo o IBGE, foram os serviços de tecnologia da informação e de intermediação financeira, em meio a maior demanda por serviços e ferramentas online.
Móveis, eletrodomésticos e cimento são destaques no comércio
O comércio, que também integra o PIB de serviços, tem sido o destaque positivo de recuperação do setor, favorecido pelos pagamentos do Auxílio Emergencial e pelo crescimento das vendas pela internet.
Segundo pesquisa setorial mensal do IBGE, o varejo brasileiro cravou em setembro a quinta alta seguida, zerando não só as perdas com a pandemia como também do ano.
Mesmo dentro do varejo, porém, os ramos não apresentaram o mesmo ritmo de recuperação. A retomada foi puxada por itens de primeira necessidade como alimentos e artigos farmacêuticos e de perfumaria. Mas mudanças nos hábitos de consumo e a maior permanência das famílias dentro de casa também fizeram crescer também as vendas de móveis, eletrodomésticos e material de construção.
Por outro lado, segmentos como os de tecidos, vestuário e calçados, combustíveis, automóveis e livros e papelaria continuam no vermelho no acumulado no ano até setembro.
Indústria reage, mas ainda acumula perdas no ano
O setor industrial também reverteu no 3º trimestre as perdas com a fase mais aguda da pandemia. Em setembro, o nível de produção superou em 0,2% o patamar de fevereiro, antes das paradas nas fábricas e medidas de isolamento para contenção do coronavírus.
A indústria também foi o principal destaque na criação de empregos com carteira assinada no trimestre.
A recuperação, porém, ainda não é completa porque o setor já vinha enfrentando dificuldades antes mesmo da crise trazida pela Covid-19. Em razão disso, a indústria brasileira ainda acumula perdas no ano.
Dos 26 ramos industriais monitorados pela pesquisa mensal do setor do IBGE, apenas 6 registram crescimento no acumulado no ano até outubro, com destaque para produtos alimentícios, produtos derivados do petróleo, perfumaria e produtos de limpeza, produtos farmacêuticos e celulose.
O pior desempenho é o das empresas das categorias de bens de consumo duráveis e de bens de capital, que incluem a fabricação de máquinas e veículos, com perdas ainda de dois dígitos no acumulado em 2020.
"A indústria automobilística caiu bastante por conta de um efeito duplo complicador, que foi a pandemia e a questão Argentina, uma vez que o Brasil exporta muito para a Argentina", observa Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, citando a recessão no país vizinho e o tombo nas exportações.
A construção civil, que também entra no cálculo do PIB industrial, foi um dos grandes destaques do 3º trimestre, com as famílias aproveitando a pandemia para realizar reformas nos imóveis e com o mercado imobiliário impulsionado pelos cortes na taxa básica de juros, atualmente na mínima histórica de 2% ao ano.
Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), as vendas de imóveis novos cresceram 57,5% no 3º trimestre, na comparação com os 3 meses anteriores. No acumulado nos 9 primeiros meses do ano, a alta foi de 8,4%.
“A construção foi uma surpresa. Foi um segmento que parecia que ia derrapar, mas as pessoas continuaram comprando imóveis e a demanda por cimento subiu num ritmo maior até do que estava crescendo até anteriormente", afirma Vale.
Agronegócio segue praticamente incólume
O agronegócio segue como um dos poucos setores que praticamente não foi abalado pela pandemia. O bom desempenho do ano tem sido sustentado pela safra recorde, pela alta nos preços das commodities agrícolas e pelo câmbio favorável para os exportadores.
Historicamente, os resultados do 3º trimestre são mais fracos que os do 1º semestre, em razão do efeito estatístico de uma base de comparação mais elevada, mas vale lembrar que o agronegócio foi o único entre os 3 grandes setores que registrou crescimento na primeira metade do ano.
"Os dados de bovinos e aves deram uma reduzida, e a produção de leite também. Foi isso que levou a um número pior no 3º trimestre", explica Miranda, acrescentando que a expectativa é de que o setor fechará o ano com crescimento.
A safra de grãos deve atingir em 252 milhões de toneladas em 2020, patamar recorde e 4,4% acima da colheita de 2019, segundo a última estimativa do IBGE.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima um crescimento de 1,5% do PIB da agropecuária em 2020 e de 1,2% em 2021.
Consumo das famílias
O consumo das famílias – principal motor do PIB brasileiro há anos – mostrou uma recuperação parcial no 3º trimestre e foi sustentado principalmente pelos repasses do Auxílio Emergencial, que chegou a 67,7 milhões de pessoas, representando um gasto público sem precedentes de mais de R$ 230 bilhões.
A principal dúvida agora é como se comportará a economia com a redução do valor da ajuda às famílias de R$ 600 para R$ 300 no último trimestre do ano e com a perspectiva de encerramento dos programas lançados pelo governo para atenuar os impactos da pandemia.
Os analistas destacam que a produção industrial e o varejo mostram perda de ritmo e que os indicadores de confiança indicam uma desaceleração do consumo nesta reta final do ano.
"Acreditamos que vai haver uma acomodação do crescimento da atividade econômica no 4º trimestre, por isso projetamos uma queda do PIB mais próxima de 5% no ano do que de 4%”, afirma Miranda.
Pesam também nas perspectivas para o nível de consumo das famílias a inflação em aceleração, o desemprego em patamar recorde.
Incertezas inibem investimentos
A pandemia ainda fora de controle no no país, a paralisia na agenda de reformas estruturantes e as preocupações em torno da trajetória da dívida pública continuaram a abalar a confiança dos empresários e a inibir os investimentos.
Os investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) cresceram 11% no 3 trimestre, após queda de 16,5% no trimestre anterior. No acumulado do ano, a queda é de 5,5%.
"A preocupação fiscal é hoje o que tem emperrado uma retomada mais rápida da economia. O empresário que estava pensando construir uma fábrica em 2021, pensa duas vezes ou então avalia fazer o investimento por etapas", afirma Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
A taxa de investimento em percentual do PIB foi de 16,2% do PIB no 3º trimestre, contra 16,3% no mesmo período do ano anterior. Em 2013, chegou a superar 21%.
Na leitura do mercado, o desequilíbrio das contas públicas pode levar a uma fuga de investidores do país e um consequente aumento antes do esperado da taxa básica de juros, encarecendo a tomada de crédito pelas empresas e a credibilidade do país.
A retomada dos investimentos passa também pela agenda privatizações e leilões de infraestrutura, cujo programa federal ficou empacado e agora virou promessa para 2021 e 2022.
"Vamos começar 2021 com uma economia que ainda vai estar sendo atingida pela pandemia, não vamos ter ainda uma vacina consolidada, e com uma situação muito frágil do ponto de vista fiscal, de mercado de trabalho e de ambiente político", diz Vale.
Fonte: G1 Economia